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A revista The Economist não é uma revista que se caracteriza por artigos que sejam sensacionalistas. Muito correta no que escreve, conceituada no meio editorial, ela sabe que suas opiniões e artigos têm o poder de influenciar o valor de ações financeiras de empresas. Ao lado de algumas poucas grandes revistas que restam nessa era da internet, como a Forbes e a Times, são revistas de reportagens, não de publicações científicas, mas que primam pelo conteúdo analítico, ao invés de opiniões, justamente por causa da responsabilidade que carrega em seus ombros.
Por isso é difícil entender por que a reportagem “Perigos Ocultos das novas tecnologias”, título em tradução livre, lista a impressão 3D como uma ameaça.
Além de citar por alto, fatores como direitos autorais, o artigo fala um pouco do óbvio que já é abordado há anos, armas podem ser impressas em 3D, arquivos de impressão 3D, e a própria impressora 3D, podem passar fronteiras sem serem detectadas, já que a maioria dos seus arquivos são feitos nas impressoras, e transferidos no formato digital, pela internet, tornando difícil rastrear o que é impresso, para quem é impresso, e por que é impresso.
Isso já é tema batido, desde o documentário do Netflix, “Print the legend” que fala do projeto Defcom – nome dado aos protocolos de defesa norte-americanos – onde seu fundador, Cody Wilson – que em hoje cumpre penas por assalto sexual à uma menor de idade – desejava democratizar o acesso a armas de fogo à população, mas não qualquer 9mm, e sim uma UZI, uma HK45 e outras armas, que honestamente, para que dar isso na mão de um cidadão comum?
Acho que a parte mais ofensiva do artigo, é aquela que se refere à impressão 3D como “subversiva”. A impressão 3D corrompe as pessoas? Com grandes impressoras, vem grandes responsabilidades?
Fabio Sant’Ana, um dos mais renomados nomes na manufatura aditiva brasileira, encabeçando normas aos processos aplicados à indústria e fazendo a ponte entre fabricantes e a Associação brasileira de máquinas e outras entidades da “manufatura tradicional”, chegou a escrever sobre o artigo:
“Colocar a Manufatura Aditiva , um meio de produção, com extremo potencial de revolucionar uma série de indústrias, como potencialmente perigoso do ponto de vista da segurança e do comércio me pareceu muito errado .
Demonstra, no mínimo, grande falta de conhecimento , transferir conhecimento e desenhos por meio digital e produzir de forma distribuída pelo mundo já é feito há pelo menos 40 anos , levar um arquivo digital em fita dat de um país para o outro e produzi-lo usinando num equipamento CNC a partir de um bloco de metal era potencialmente menos perigoso de alguma forma?”
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Talvez com isso em mente, talvez não, os doutores Guilherme Longhitano e Jorge Vicente Lopes publicaram recentemente um excelente artigo entitulado “A COVID19 e as ações globais para mitigar seus efeitos através da impressão 3D”.
O timing do artigo não poderia ser mais preciso, não apenas uma resposta ao já citado estudo da revista “The Economist”, mas também à marca de um ano da quarenta no Brasil, apesar do primeiro caso reportado oficialmente pelo Centro de Pesquisa do CORONAVIRUS do John Hopkins datar de 19 de dezembro de 2019.
Uma doença que no Brasil está hoje, dia 24 de março, há 26 dias seguidos de recordes de casos, que no mundo se espalhou por 192 países, infectou 121 milhões de pessoas e já é responsável por mais de 2,68 milhões de óbitos.
Os pesquisadores relatam em seu artigo como a doença não apenas colocou uma pressão inacreditável sobre os hospitais, mas entre lockdowns e paralisações, entre fronteiras fechadas e países com suas atenções voltadas ao auxílio de suas populações, a doença terminou também por expor a fragilidade dos nossos sistemas logísticos, sistemas de entregas, de produção. Um mundo que evoluiu a aprender que processos como JIT – Just in Time, Lean Manufacture – Manufatura enxuta, que aprendeu a usar as cargas em transporte entre fabricantes primários e transformadores secundários, se viu, subitamente, sem essas entregas.
Em outras palavras, montadoras que abriram mão de seus estoques, para receber a produção à medida que era feita pelos seus fornecedores, que também não tinham estoques, para ter mais espaços produtivos simultâneos, onde todos usavam os tempos logísticos, carregar o caminhão ou trem ou navio, transportar, tempos de aduanas e de entregas, como um estoque rodante, logo se viram sem materiais para fabricar coisas essenciais.
Com hospitais, no centro do caos, não foi diferente, e isso salientam os pesquisadores. Felizmente, haviam os makers, e empresas cientes dos poderes produtivos das comunidades.
Ao invés de confrontarem o artigo, os pesquisadores decidiram listar os benefícios que a impressão 3D trouxe no combate direto à pandemia.
São citados casos como da ISINNOVA, a famosa fabricante italiana, que desenvolveu um conector e um separador, para seus próprios sistemas, adaptados para serem feitos por impressão 3D por filamento, o processo chamado de FDM ou FFF.
Outro item que se tornou uma bandeira da impressão 3D nesta batalha foram os chamados faceshields, viseiras plásticas que protegem os olhos de partículas diretas. Por serem itens de baixo risco de uso, fáceis de higienizar e esterilizar, somado à sua grande demanda por médicos, e também por pessoas nos atendimentos essenciais, que ainda deveriam se proteger, elevou a produção deste item a um dos mais produzidos itens na história médica, ao menos, por manufatura aditiva
Na área diagnóstica, os cotonetes de exames do tipo PCR também foram modificados para serem obtidos por impressão 3D, adaptados para serem obtidos por impressão em SLA, e em alguns casos, viraram produtos finais diretos.
Há ainda casos não citados no artigo, como o desenvolvimento da BRIC – Bolha de Respiração Individual Controlada, desenvolvida pela empresa LifeTech, um acessório muito utilizado na Inglaterra, por isolar o ar dos pacientes daqueles ao seu redor, cuja a primeira produção das 1000 unidades só foi possível pela impressão 3D, desde a produção de moldes de silicones impressos, para conectores, aos protótipos de cada um dos componentes.
Sem dúvida, onde houver o espírito humano, haverá um espírito de porco, se sempre haverá aqueles que buscam perverter as boas criações, mas como vimos, em momentos de necessidades, a comunidade em geral ainda brilha pela boa batalha, pela ajuda ao próximo.
No caso das máscaras Higia, empresas cederam suas injetoras, papelarias doaram o filme plástico utilizado, empresas tecelagem doaram os elásticos, ouso dizer que ao redor de 100.000 peças foram produzidas, logos nos primeiros meses da quarentena, apara auxiliar aqueles que precisavam.
E ainda há os benefícios indiretos da impressão 3D. Em tempos de desemprego e insegurança, não foram poucos os que apelaram para a impressão 3D para também garantir uma renda extra. Reforço aqui que a impressão 3D não é uma gráfica de imprimir dinheiro, achar a oportunidade, junto ao meio produtivo, se dedicar e oferecer diferenciais são fundamentais aqui, como em qualquer outro empreendimento, mas são poucos aqueles que conseguiram encontrar essa soma de variáveis, para superar as dificuldades do fechamento de empresas e dos empregos tradicionais. Cortadores de biscoitos, itens de decoração, brinquedos e ferramentas para aulas remotas, peças de reposição para manter laptops, tablets e eletrodomésticos funcionando. As ideias estão no ar. Infelizmente também está a COVID, mas enquanto houverem pessoas dedicadas a ajudarem aos próximos, há esperanças.
Quando aos maus usos da impressão 3D, eu ainda não vi um caso de alguém tentando usar armas de fogo para combater a doença. E vocês?